Insegurança alimentar, desigualdade e má nutrição são temas de primeira mesa
“Não há como ter um mundo sustentável e capaz de conseguir condições adequadas para todas as pessoas, que não seja considerando os imensos desafios que temos para erradicar a fome e garantir alimentação adequada e saudável”. Assim a moderadora Elisabetta Recine (UnB e Opsan) abriu a primeira mesa do seminário “Geografia da Fome: 75 anos depois – Novos e velhos dilemas”, nesta segunda (29).
Voltado para a discussão transversal da insegurança alimentar com um olhar para a interseccionalidade, o debate trouxe ainda Renata Levy (Nupens/USP), Rosana Salles Costa (UFRJ), Inês Rugani (UERJ) e Douglas Belchior (Coalizão Negra por Direitos). Quem são as pessoas em insegurança alimentar? Quem passa fome no brasil hoje? Essas perguntas nortearam a mesa.
“Não tem nada mais eminentemente político do que a fome. Tanto a morte quanto a fome no Brasil têm caráter de projeto, são resultados de um projeto político colocado em prática”, destacou Douglas Belchior. Para ele, três anos de desmonte absoluto de políticas e direitos sociais e humanos no país evidenciaram a fragilidade dos avanços construídos em décadas. “Não se colocaria em prática políticas de violência e negação de direitos se não se soubesse que a maior parte da população a sofrer com isso seria a negra”, afirmou. Ainda assim, ele reforça a confiança de reversão do cenário: “Nós vamos virar essa página”.
Rosana Salles Costa também ressaltou que não há como não destacar as desigualdades de gênero, raça e escolaridade: “Essas desigualdades, sem dúvida alguma, vão colocar desafios que nós temos em relação à saúde de nossa população”. Como o período pré-pandemia sinalizava, os lares chefiados por mulheres, pessoas pretas ou pardas ou de baixa escolaridade estão mais vulneráveis a insegurança alimentar grave.
Os dados apresentados por Renata Levy indicam ainda uma diminuição das preparações culinárias e um aumento do consumo de ultraprocessados, especialmente na área rural, nas rendas mais baixas, entre homens, entre indígenas e nas regiões Norte e Nordeste. Resgatando a perspectiva multidimensional proposta por Josué de Castro, a pesquisadora ressaltou: “A mudança no padrão de alimentação brasileiro fez com que aumentassem as pegadas carbônica, hídrica e ecológica”.
A preocupação com o aumento do sobrepeso e da obesidade, em parte consequência dessa mudança no consumo alimentar, esteve na fala de Inês Rugani. De modo geral, desde 1974 se verifica diminuição do déficit nutricional e de peso e aumento do excesso de peso e da obesidade em todas as faixas etárias. Por isso, ela destaca a necessidade de um olhar amplo e atento para alimentação. “É importante aprofundar a compreensão sobre a abordagem da má nutrição em todas as suas formas e incorporá-la na formulação de políticas públicas”, afirma.
O seminário segue nesta terça (30), com a mesa “Geografia das desigualdades socioeconômicas e determinantes da pobreza e da fome”, às 16h, no Youtube.