Mesa debate sistemas alimentares como portadores de desigualdades
Como as desigualdades se somam e se retroalimentam na explicação da pobreza e da fome como fenômenos políticos, sociais e econômicos no Brasil de hoje e no Brasil que virá? A mesa desta terça (30) do seminário “Geografia da Fome: 75 anos depois – Novos e velhos dilemas” buscou responder a essa questão trazida pelo moderador Ricardo Mendes Antas Jr (FFLCH/USP).
Com o tema “Geografia das desigualdades socioeconômicas e determinantes da pobreza e da fome”, participaram ainda Domênica Rodrigues (ABA), Renato Maluf (UFRRJ e Rede Penssan), Ladislau Dowbor (PUC/SP) e Ana Paula Ribeiro (MTST).
Ladislau Dowbor abriu o debate trazendo um grande paradoxo. “Nós temos 19 milhões de pessoas passando fome [insegurança alimentar grave], das quais 25% são crianças. Quer dizer, milhões de pessoas passando fome neste país, enquanto estamos exportando alimentos, produzimos mais de 3kg de grãos por pessoa por dia. Isso realmente é escandaloso”. A redução da desigualdade, ressalta, é chave para o bom funcionamento da democracia. Trata-se, para ele, de uma questão mais que econômica, sobretudo ética.
Resgatando a obra de Josué de Castro, Maluf afirmou que o médico pernambucano inaugurou a politização da fome no Brasil, superando tecnicismos e preconceitos culturais para colocar destaque nos determinantes socioeconômicos e políticos. Foi justamente com criação de emprego, valorização de salário mínimo, políticas de transferência renda, apoio à agricultura familiar, alimentação escolar, água no semiárido, eletrificação rural, entre outras políticas, que se superou, por um período, a fome. “O que se logrou foi com um resultado de ações, não houve uma bala de prata, foi um conjunto de ações integradas e participativas”, afirma o professor da UFRRJ.
“Os sistemas alimentares no Brasil são portadores de desigualdades e injustiças. E é possível identificar todas as manifestações de injustiça – distributivas, processuais e de reconhecimento”, destaca. A batalha do momento, para ele, é a disputa de narrativas sobre sustentabilidade, equidade e alimentação adequada e saudável.
Ana Paula Ribeiro trouxe para a mesa a sua vivência no MTST. “Com o corte de vários programas sociais, a gente foi vendo que nossa base começou a pedir ajuda para alimentação para sua casa.” Ela desenha um cenário de destruição, que se apresentava antes mesmo da pandemia, que aprofundou a tragédia.
“Quem está na periferia e passando fome? Muitas dessas pessoas não estão em situação de rua. Muitas vezes trabalham informalmente e lá pelo dia 15, dia 20, não têm mais recurso para se alimentar. Então vão atrás de doação, vão para a fila do Bom Prato, para a cozinha solidária”, complementa.
Domênica Rodrigues convidou os espectadores a refletir e resgatar memórias sobre a alimentação, pensando a comida dentro do espaço político que é a nossa casa e observando sua trajetória ancestral. Ela chamou atenção para o racismo, que estrutura a base social do país, como causa da fome e lembrou que produtores pretos e pardos se concentram em pequenos empreendimentos, enquanto os brancos são maioria conforme aumenta a área. “É muito triste perceber que a gente está voltando para esse lugar do mapa da fome, que a gente esteja percebendo a chegada de doenças que são geradas a partir da fome”, disse.
O seminário continua amanhã, às 16h, com a mesa “Geografia da produção de alimentos”, no Youtube.